domingo, 25 de outubro de 2009

Os meus extremos - Ricardo Gondim

Os meus extremos.
Ricardo Gondim

Minha vida é pêndulo. Oscilo entre o bem que desejo e o mal que rechaço. Sei que minhas sombras não são todas ruins e minhas luzes não são todas boas.

Minha vida é sístole e diástole, fluxo e refluxo. No vai-e-vem de minhas emoções choro e rio, fico e vou. Não receio mostrar covardia e hesito nas coragens.

Minha vida é dança na encosta do abismo. Prestes a despencar, no limite do perigo, corro o risco de tornar-me o fiasco do milênio. Mesmo assim, jogo e aposto atrevidamente. Mesmo sabendo que posso ferir-me, enfrento a corda bamba.

Minha vida é estrada esburacada. Nos solavancos das crateras que se abriram pelo caminho, tento aprumar-me. Não quero perder a direção. Vou por trilhas menos pavimentadas, mas vez por outra, cansado, prefiro cortar caminho.

Minha vida é simultaneidade de satisfação e fome. Os desejos cumpridos deixam sobra, um resíduo, de desprazer. Porém, por mais que as inadequações se mostrem onipresentes, celebro contente a minha sorte.

Minha vida é, ao mesmo tempo, vitrine e caverna. Convivo com plataformas e microfones. Falo para platéias. Sou fascinado por silêncios, por alcovas. Audaz com multidões e tímido com pessoas, opto por poucas palavras. Mas, dou a mão à palmatória, falo pelos cotovelos.

Minha vida é mescla de certeza e imprecisão. As dúvidas não me abalam, mas as certezas me confundem. Gosto de questionar e não tenho medo de ficar sem resposta. Os absolutos me incomodam, os dogmas me inquietam, as exatidões me deixam suspeitoso.

Minha vida é ameaça e bênção. Consciente dos ódios que já provoquei, vivo inseguro; sempre procurando redenção. Entusiasmado com a bênção que sou, alço o vôo da águia; sempre ousando novos desafios.

Minha vida é mistura de morbidez e sede de viver. Aguardo o apagar das luzes, reconheço a iminência do meu fim. Contudo, procuro desdobrar os minutos em “nano-frações” de felicidade.

Minha vida é preocupação despreocupada. Temo as contingências, mas o insólito me entusiasma . Repito aos quatro ventos que dores e alegrias entram na fabulosa receita desta existência, que o Criador projetou livre. Não há nada mais deslumbrante que a angústia, e nada mais surpreendente que a felicidade.

Soli Deo Gloria.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Gracias a la Vida

Descobri que a poesia do post Beleza Divina, têm muito ver com a música mais famosa da Mercedes Sosa, Gracias a la Vida. Os dois evocam as maravilhas de estar vivo. Falecida no último dia 4, Mecedes possui uma voz incomparável. Segue o vídeo para matar as eternas saudades que La Negra deixará.


domingo, 20 de setembro de 2009

PRESENÇA

Um vale de flores

flores, um mar

mergulho entre elas

calmamente, belamente

Sinto o sol sobre mim

me aquece

estou tranquilo, deitado

sobre algumas delas,

as outras me envolvem


Mar dourado de margaridas

lugar secreto

só eu e Ele

minhas forças desfalecem

não importa

nada importa

só a Sua presença.




Schliptz, janeiro de 2001.

Funk

Só um tapinha não dói...
Não dói nada,
pode bater!

Só um chutinho não dói...
Experimente onde quiser!

Só uma facadinha não dói...
Me esfaqueie pra ver!

Um tapinha não dói nada,
Faz parte da vida,
já que estou morta mesmo...

Eu sou
O cadáver,
O cadáver da mulher violentada.

Na hora doeu,
Agora não dói mais,

nada mais dói.

Schliptz, 2001.

Desafinados

Porque no peito dos desafinados

dos feios
dos fracos
dos raquíticos
dos pobres
dos esquisitos
dos ridículos
dos tímidos
dos idiotas
dos cafajestes
dos estúpidos
dos burros
dos babacas
dos sem-graça
dos obesos
dos barrigudos
dos sem-lugar-pra-cair-morto
dos sem noção
dos bêbados
dos pentelhos
dos chatos
dos mancos
dos gagos
dos fanhos
dos caolhos
dos desdentados
dos broxas
dos rejeitados
dos sóbrios
dos viciados
dos caretas
dos menininhos
dos meninões

No peito de cada um de nós

também bate um coração
Tum, tum, tum
tumtumtum, tumtum

Schliptz, 2009.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Bachianas Brasileiras No. 5: Ária

O que dizer sobre esta obra de Villa-Lobos? Simplesmente não encontro palavas... Já há muito tempo ouço esta faixa de um LP que achei aqui em casa, fuçando a coleção do meu pai. É uma das mais tocadas quando estou em clima de fossa. Se estou sozinho em casa, aproveito pra ouvir no máximo. Por sorte achei a mesma gravação, interpretada por Maria Lúcia Godoy, no You Tube.

Sugiro que feche os olhos,
ouça os violoncelos.
Sinta a voz da soprano,
a letra fala de uma nuvem
imagine-a, rósea, flutuando
fala da lua que surge no entardecer
e de uma saudade despertada.

Segue a letra, de Ruth Valadares Correa, para quem quiser acompanhar.

Nota: sugiro que pause a música após o término da primeira parte, a Ária, em 6:05. A continuação é extremamente divergente da primeira parte. Ao invés de continuar, respire fundo, ouça a primeira parte mais uma vez, se desejar. E só então mate a curiosidade que acabei de despertar, de forma inevitável.

Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente.
Sobre o espaço, sonhadora e bela!
Surge no infinito a lua docemente,
Enfeitando a tarde, qual meiga donzela
Que se apresta e alinda sonhadoramente,
Em anseios d'alma para ficar bela
Grita ao céu e a terra toda a Natureza!
Cala a passarada aos seus tristes queixumes
E reflete o mar toda sua riqueza...
Suave a luz da lua desperta agora
A cruel saudade que ri e chora!
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente
Sobre o espaço, sonhadora e bela!


Beleza Divina

Os campos de trigo
se movem ao sabor do vento

As montanhas, estáticas
são imponentes e fortes

O mar azul
se joga contra as pedras

Tudo é muito belo!

Senhor, a beleza da tua criação é incrível!

A beleza do homem
A beleza da mulher

As criações
dos homens que tu criastes
também são extremamente belas
a música, a arte, a poesia

Tudo é extremamente belo.

Sinto uma beleza enorme
Nas coisas da tua mão!

Me inebrio, embeveço
entre as belezas que encontro aqui!

Quero mais!
Quero sentir mais beleza!
Quero ser beleza, arte!

Como?
Como contemplar maior beleza
do que já conheço?

Um dia poderei contemplar
Face a Face,
A beleza Daquele que
criou a tudo!
Contemplar a beleza do
Criador de toda a beleza
que conheço!

Será maravilhoso!


Schliptz, verão de 2001

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Foi-se o amor, ficou a poesia.

Estrelas da noite
Em duas vocês são
Seus olhos tão lindos
Será uma visão ?


Sinto um perfume
Estará você aqui ?
Quando olho para o lado
São só rosas ali


O sol está nascendo
Esplendorosamente
Assim é o seu sorriso
Encantadoramente


Se sinto um carinho
Imagino sua mão
Na verdade o que eu sinto
É a solidão


Num mar de amor
eu vou mergulhar
Será que ele existe
ou estou a sonhar ?


Porque olho ao redor
E vejo tua beleza
Dirás você de mim
És louco com certeza ?


Se sonho contigo
Será que é paixão ?
Te quero bem perto
Será que é em vão ?


Schliptz, verão de 2001

domingo, 16 de agosto de 2009

Conversa com uma rosa

Rosa-Flor!
Rosa-Flor!
Dentre as mais belas
das mais belas
Flores,
ali é o teu lugar!

No entanto,
tu não és A mais bela entre elas.
Esta,
a quem tu fostes dada,
tem os Cabelos-Pétalas
mais suaves do que os seus,
O aroma dela,
Rosa-Flor,
é mais doce do que o teu.
E ela tem algo que tu não tens,

O mistério daquele olhar.....

Quando desvendarei o seu significado?

Por tudo isso,
A mais bela das mais belas
Flores
Não é ela,
se não,
Aquela,

T.

Flor.


Igor Konieczniak, inverno de 2001

Os segredos de uma conversa provocante

Você já participou ou presenciou uma conversa, entre um homem e uma mulher, que, de tão provocativa e inteligente, parecia que os interlocutores estavam fazendo sexo através das palavras? Eu me lembro de ter presenciado uma destas. Foi fascinante, mas me senti como entre dois espadachins do filme "O Tigre e o Dragão", e eu segurando uma espada de madeira, com chapéu de jornal na cabeça. Eu acho que sim, é possível fazer sexo através das palavras, assim como é possível através da música. Veja o exemplo do Milton e da Rita Lee, no clipe "Mania de Você". Será telepatia, como diz a letra? :)

Em geral o sexo não é assunto da conversa. Provavelmente esteja na cabeça do homem, talvez até na da mulher, mas não na conversa aberta. Não, esta é uma conversa para sutilezas. Não é o sexo, ou a possibilidade de que mais excita, apesar de estar presente. O que excita acima de tudo é a inteligência da conversa. Este sim é o elemento central. A inteligência pode ser extremamente excitante, especialmente se somada ao humor. O humor inteligente, que sabe provocar, e dizer o que não deveria ser dito, dizendo quase nada. Não sei se existe telepatia, mas nessas conversas há sem dúvida algo de especial. Uma conexão, identificação e interesse recíprocos. A inteligência, demonstrada através do humor, provoca admiração e desperta o interesse mútuo. Se acrescentarmos ainda a beleza do corpo e da alma, então a mistura é explosiva. A beleza do corpo talvez não seja tão fundamental e os detalhes da alma não são desvendados assim tão facilmente. Mas existe um aspecto interior que é fundamental neste tipo de conversa, a auto-estima. Esta, quando elevada, se reflete no diálogo, na capacidade de rir de si mesmo, das provocações que cutucam os defeitos e de contra atacar, com leveza, elegância e, mais uma vez, humor.

O desafio está lançado. Empunhemos no alto nossas espadas e que o duelo começe.

Schliptz, 2009.

Cinco Baianas. Uma não!

Hilária alegria
pungente beleza
surpreende o dia
apaga a tristeza

de longe elas vêm
tão fundo já vão
de tanto que têm
caio quase ao chão

mas quase, veja bem
não tenham aflição
eu sei, não se preocupem
não houve intenção

a beleza é poderosa
as vezes destrói
mas prevalece a alegria
pois esta não dói

o momento foi breve
curtíssimo, eu diria
mas digno de nota
belas desconhecidas
cuja vida me toca

continuarão pela vida
a "aproveitar bem o dia"?
se levarem consigo
deixando o que já ficou
a amizade sincera
que nutre no grupo
a alegria singela

Schliptz, 16/08/09

sábado, 15 de agosto de 2009

Ponto

Um ponto no espaço
Um instante no tempo
Uma vida na História
.

Schliptz, 15/08/09.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Canção quase inquieta

De um lado, a eterna estrela,
do outro a vaga incerta,

meu pé dançando pela
extremidade da espuma,
e meu cabelo por uma
planície de luz deserta.

Sempre assim:
de um lado, estandartes do vento...
- do outro, sepulcros fechados.
E eu me partindo, dentro de mim,
para estar no mesmo momento
de ambos os lados.

Se existe a tua Figura,
se és o Sentido do Mundo,
deixo-me, fujo por ti,
nunca mais quero ser minha!

(Mas, neste espelho, no fundo
desta fria luz marinha,
como dois baços peixes,
nadam meus olhos à minha procura...

Ando contigo - e sozinha.
Vivo longe - e acham-me aqui...)

Fazedor da minha vida,
não me deixes!
Entende minha canção!
Tem pena do meu murmúrio,
reúne-me em tua mão!

Que eu sou gota de mercúrio,
dividida,
desmanchada pelo chão...

Cecília Meireles

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Eu sou

Eu sou o silêncio
Aquele que corta e angustia

quem me dera ser
o silêncio

aquele que acalma e conforta
e fala todas as coisas
sem dizer uma palavra


Schliptz, inverno de 2001.

Poema de Bertold Brecht

ERINNERUNG AN DIE MARIE A.



An jenem Tag im blauen Mond September
Still unter einem jungen Pflaumenbaum
Da hielt ich sie, die stille bleiche Liebe
In meinem Arm wie einen holden Traum.
Und über uns im schönen Sommerhimmel
War eine Wolke, die ich lange sah
Sie war sehr weiß und ungeheuer oben
Und als ich aufsah, war sie nimmer da.

Seit jenem Tag sind viele, viele Monde
Geschwommen still hinunter und vorbei.
Die Pflaumenbäume sind wohl abgehauen
Und fragst du mich, was mit der Liebe sei?
So sag ich dir: Ich kann mich nicht erinnern
Und doch, gewiß, ich weiß schon, was du meinst.
Doch ihr Gesicht, das weiß ich wirklich nimmer
Ich weiß nur mehr: ich küßte es dereinst.

Und auch den Kuß, ich hätt ihn längst vergessen
nicht die Wolke dagewesen wär
Die weiß ich noch und werd ich immer wissen
Sie war sehr weiß und kam von oben her.
Die Pflaumenbäume blühn vielleicht noch immer
Und jene Frau hat jetzt vielleicht das siebte Kind
Doch jene Wolke blühte nur Minuten
Und als ich aufsah, schwand sie schon im Wind.

Bertolt Brecht